Ecce Homo
É um vício puro, exorável, uma prece. Juramento ou esconjuro, aquele exórdio. Uma consolação elevada, mas incerta. Modo de flutuar, ou ser, constante. A palavra ritual tomada da fonte onde se erguia antes do zelo ser ciúme. Ouço-A sempre. Litania ou súplica. Hoje, indeciso, sei. Como uma penetração na terra quente, sem olhos, uma vertigem, destino a dedo dito. Creio, e é dúvida que me assiste, receio, hesitação, nunca a estatura, à semelhança de teu corpo, ser igual. Assimetria que uniu até romper. Aí, o som foi murmúrio e o metro distância, ferida, fenda, de chaga que não fechou. Cal viva. Salário de teu corpo ou sal. Às penas dado ácido. Volvem Invernos sobre este vício. Puro. Limpo pelo suão e chuvas. Tão gabada no sumo da prece. Som emitido em canto por toda ti. A modo de trigo na eira onde o musgo foge à coita de um palhal sombrio. O odor da água dada em rêgo à terra. És tu vinda num só sentido, pois já tacto há muito a ânsia tornou sangue. Ou extracção na pele toada. Incumpri a via assim aberta. Nem logrei teu vasto alcance. Um infinito é também deserto onde a ofensa é grão vermelho. Ou ponta de látego vibrante no oaristo da miragem. Depois, nem moral consumida. Alheio a tudo, até a ti, de um passo abri abismo e esquartejei-nos sobre o eixo dos ventos. Uma ara de luz varrida a bafo quente. Endemoninhado sopro centrifugado. Nem sei sequer se foste ausente desse turbilhão. Só serena nessa indecisão. Um ferro na pele por olhar. Sempre cicuta. Tanto te quis furar os olhos para te ver… Às vezes raiva, outras um balbucio de só sílaba constante. Mas a luz… esse luar, tal brilho me tolheu. Olhei-te dias a fio na atalaia do devir (e das auroras). Peso insuportado com o pensamento que arrastei. Eis o Homem, assim nu ou desvendado à lívida expiação. E não foi traição, culpa de acusação ou modo de ser cobarde. Foi falta. O intento negou corpo e padeceu na mudez o sortilégio de uma apatia pelo norte assoprada. Perdi a palavra. Deixei-a queda na boca do medo. Foi erro. Foi silêncio e foi fim.
Paulo Neto
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5 comentários:
magnífico!!
se fossemos papa, decretaríamos este lamento como homilia obrigatória em qualquer celebração matrimonial para felicidade dos esposos!!
[já agora, a versão da eis a mulher seria um bom sinal pós-ratzingeriano...]
Eu perdi a fala. Deixei-a no espanto do que li.
Magnífico texto!
Um beijo e que o ano de 2010 seja muito bom.
Espectacular!Mas o Paulo é assim mesmo...maravilhoso.
um bjo B
E lembra te:
Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo
até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?)
Não precisa
fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumidas
nem parvamente acreditar
que por decreto de esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.
Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.
[Carlos Drummond de Andrade]
Bjos Bom Ano!
é uma maravilha poder ler aqui este magnífico texto do querido paulo neto que sempre admirei! e claro que mando um grande beijo aos dois :) e votos de um óptimo 2010*
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