segunda-feira, julho 20, 2009

são dezanove horas e quinze minutos. como.


apontamento à beira do vazio (I)


a chave convidou a porta para sair. sabe-se que a palavra vive lá dentro. embora também possa ser o movimento de rotação da terra em perspectiva.
ninguém pode entrar nem sair da rotação em perspectiva. ninguém sabe o que é um movimento em círculo vestido de olhos.

pensa-se que os sapatos chegam para reflectir nos pés a rotação dos olhos na perspectiva da porta.
a palavra irritou-se com a perspectiva da rotação e abriu a boca.
cá fora o cão mordeu-a. a rotação fugiu e nunca mais se viu.









1 comentário:

Bandida disse...

O que não significa vai significar um dia destes. Mas significará uma coisa bastante diferente. Pensam que uma escada leva sempre a uma espécie de casa ou terraço, e são magnânimos admitindo alguma variação de formas e propósitos dentro dos termos das casas e terraços que há. Pois estão à vossa espera, senhores, casas e terraços de estranhos sistemas arquitectónicos. Há mesmo a suspeita de tratar-se de uma escada esquisita, uma escada apenas para subir.
Mas dantes havia moral, dizem eles. Havia a moral para subir e ir ao terraço. Depois via-se a paisagem.
E era bonito?
Sim, havia metafísica, política e filosofia para ver.
E para que servia ver isso?
Ora, a gente ficava contente, porque entravam e saíam ideias pela cabeça.
Uma espécie de piquenique mental, não?
A metafísica, a política, a filosofia são matérias nobres.
Sim, senhores, obrigado.
Pois, e se a gente queria a casa, subia a escada e entrava na casa.
Também nas paredes, a filosofia, e etc?
Sim, exactamente.
Olhem: não, obrigado. Vou dizer-lhes: vai ser escada para subir e depois a gente ficará lá em cima experimentando o transe do silêncio. Os senhores não percebem nada de destruições. Temos de aturar todo o aborrecimento de uma velha modernidade: Fernandos Pessoas, surrealismos, a política com metonímias, a filosofia rítmica, as religiosidades heréticas, as pequenas tradições de certas liberdades. Acabou-se.
(O verbo impregnava a terra, a energia impregnava a terra).
Tudo isto é para a grande máquina circulatória, o aparelho digestivo, o sistema respiratório. Coisas do corpo que precisa de transe, êxtase. Essa é a significação. Estamos a trabalhar com instrumentos que abalam tudo. Há uma energia geral comutada à passagem pelo corpo. É uma comutação cultural. E afastem daqui o surrealismo. Afastem a metafísica, a política, as ideiazinhas de merda. Um transe. A palavra é uma provocação destinada a uma espécie de intransigência física. E que é o corpo senão ele mesmo?
Os poetas estão a avançar com uns vagares de galinholas. Porra.

Herberto Helder
in Photomaton & Vox, Assírio & Alvim